Crianças e o Papai do Céu
Por Fernando Sepe
Fonte: alexandrecumino@uol.com.br
Em uma das muitas escolas de Aruanda, um Preto -
Velho de nome Antônio estava tendo uma conversa com um grupo de encantados -
crianças que trabalham dentro da Umbanda. Era uma “aulinha”
onde o "vô” , como eles o chamavam, tentava explicar algumas coisas
a respeito dos encarnados e do que eles deveriam fazer durante os trabalhos
espirituais:
_ ... Bem, como eu estava dizendo, os encarnados
são um pouco complicados sabe, têm alguns que não acreditam nem em Olorum... _
dizia o velho Antônio.
_ Como não vô? Eles num acreditam no
papaiii-mamãeee-do-céu? Ué, você num ensinou para eles que “O Papai” mora
dentro do coração de cada um? _ perguntou uma menininha de nome Catarina.
_Ensinei minha filha, mas sabe, na matéria eles têm
tantos problemas, preocupações, dificuldades, que eles não conseguem nem mesmo
escutar o próprio coração. A intuição e tudo isso que para vocês aqui é muito
claro, para eles não passam de fantasia, misticismo, bobagens...
_Ah, eles são bobocas mesmo, e depois vocês me
dizem que um dia eu vou ser igual, vou ter que en ... en ... como é mesmo vô?
_Encarnar! _ Respondeu Joãozinho, outra criança que
estava na aula e que não saía nunca de perto do vô.
_Isso, en – car – nar! Eu não quero vô! Não quero
esquecer do Papai do céu! Eu amo tanto Ele. _ Disse Catarina quase chorando.
_Minha filha, você não precisa ter medo, afinal
também existem muitos encarnados bondosos, que crêem no divino Criador e por
Ele trabalham avidamente. Além do mais, ainda vai demorar um bocado para você
encarnar.
_ Ufa, ainda bem! _Catarina parecia aliviada.
_ É meus pequenos, é difícil e triste quando muitos
dos que a gente mais ama, esquecem de Deus na carne e se entregam a coisas pouco
louváveis a seus divinos olhos. E então eles fecham – se a nossa inspiração, e
nada mais nos resta a não ser se afastar e esperar... _ e o velho Antônio
assumiu uma feição tristonha.
As criancinhas, que não entendiam muito dos
sentimentos e pensamentos dos adultos, mas tinham uma intuição incrível e
conseguiam escutar como poucos o coração dos espíritos, perceberam que o “vô”
ficou um pouco triste. Por isso começaram a jogar bolinhas de luz nele e
pularam todos juntos em cima do velho Antônio, o que acabou resultando no
começo de uma verdadeira bagunça:
_Mas o que é isso aqui? Antônio, você não consegue
colocar ordem nos pequenos? _ disse uma rechonchuda negra de traços bondosos,
que chegava na sala de aula, trazendo algumas xícaras de chá.
_Ordem é comigo vó “Dita”, pode deixar! _ Disse
Jorginho, o maiorzinho daquelas crianças que era “fanático” em colocar tudo em
ordem.
_Não, num precisa não Jorginho! Deixa que já está
tudo normal... _ se antecipou a vó “Dita” antes que ele fizesse alguma de suas
loucuras:
_Vim trazer um chá, colhido aqui do canteiro da mãe
Jurema. E você em Antônio, que vergonha, brincando que nem um mocinho...e não
me chama para participar! Hahaha...
A Velha “Dita” chamava – se Benedita e junto com
Antônio eram os responsáveis por uma escola que tinha como objetivo dar
instruções a todo um grupo de encantados da natureza, que trabalhavam dentro da
religião de Umbanda, onde são conhecidos como a "linha das Crianças".
Eles eram muito puros e estavam ainda muito ligados aos reinos da natureza e
suas divindades Orixás, assim tinham muita dificuldade de entender o
comportamento humano. Além disso, esse convívio com os encarnados um dia
facilitaria, quando as crianças também tivessem que encarnar.
_Bem por hoje chega. Amanhã vamos ter trabalho em
uma Casa de Umbanda. Vai ser gira dos irmãos caboclos, mas quem quiser ir para
conhecer e estudar um pouco mais os encarnados podem vir com a gente. _disse vó
Dita.
Todos foram embora, mas as crianças secretamente se
reuniram com a vó Dita e pensaram em fazer uma surpresa, no outro dia, para os
encarnados e desencarnados...
e ENTÃO...
Gira no terreiro, correria na parte física e
espiritual. Todo mundo tomando seus postos, nos astral diversos espíritos sendo
encaminhados, curados mesmo antes do começo dos trabalhos, na parte física
ascende – se à defumação, afina – se os atabaques, etc. Antônio como um dos
mentores da casa coloca – se ao lado do congá.
Os trabalhos começam: hino da Umbanda, defumação,
bater cabeça, etc. Nesse dia o dirigente chama a presença de mãe Iemanjá no
terreiro. Os médiuns são tomados por suas naturais, belíssimas que cantam e
dançam, trazendo paz, harmonia e amor a todos. O velho Antônio que tem um
carinho especial pela encantadora “sereia do mar” se emociona e chora. Às vezes
achamos que apenas os médiuns se emocionam com a manifestação dos Orixás, mas
isso não é verdade, os guias também.
Chega o momento da incorporação da linha de
trabalho, os caboclos naquele dia é que iriam dar passe. Mas algo estranho
acontece. Um portal luminoso abre – se e as crianças começam a chegar e
envolver todo o ambiente. O dirigente percebe a diferença, e como sempre está
aberto ao que o “alto” determina, resolve incorporar as crianças mesmo. E elas
chegam fazendo a festa que todos conhecemos tão bem.
O velho Antônio não sabe o que faz, mas parece que
todo mundo já sabia que isso aconteceria, menos ele. De repente ele vê a vó
Dita e percebe que isso só podia ser coisa dela mesmo.
A médium de Catarina toma a frente do trabalho,
fica de frente para a assistência, e diz:
_Boa noite! Olha meu nome é Catarinaaa e eu vim
aqui para dizer umas coisinhas...
_Sabe, vocês já viram aquele velhinho bondoso
chamado Antônio dizer que o Papaiii-mamãee-do-céu mora no centro dos seus
corações, né?! E por que na hora vocês todos fazem cara de “que lindo”, mas
depois que saem daqui esquecem de tudo?
_Ou vocês acham que só aqui vocês estão em contato
com Deus? Esse templo é a casa do Papai? Claro que é! Mas dentro de vocês
também! Até eu que sou criança sei disso, como é que vocês não sabem?
_ A vida de vocês é difícil, eu sei. A gente tá
aqui para ajudar, mas tudo depende de vocês. Nem o vô que é muito lindo pode
fazer alguma coisa, se vocês não ajudarem a si próprios. Entendem?
_Olha, eu trouxe esse buquê lá do jardim de
Aruanda, ele tem flores de todas as cores. Mas vocês não as enxergam. Então eu
vou dar para cada um de vocês uma flor, e vou pedir que vocês acreditem e
guardem-nas bem no coração, e toda vez que se sentirem tristes, lembrem dessa
florzinha, porque nela o Papai do céu também está.
E ela foi dando um beijinho, um abraço e uma
palavra de amor para cada uma das pessoas que lá estavam presentes. Quando
terminou disse:
_Viram só, eu quero que vocês guardem essa flor de
Aruanda. Ela se chama AMOR, e quem a tem no coração tem também o Pai – Mãe
Criador de Todos.
As pessoas da assistência estavam todas meio
espantadas. Elas conheciam as crianças, achavam – nas engraçadas, mas não esperavam
tanta ternura, amor, e porque não, sabedoria daqueles “pequenos”.
E então naquele terreiro a gira que era para ser de
caboclo, virou uma festa de criança, e toda assistência brincou junto
delas.
As pessoas enfim entenderam, que o AMOR é a presença
viva do Criador dentro dos nossos corações.
O velho Antônio sorria e começou a pensar como
aquelas crianças tinham uma forma diferente de ver as coisas, uma forma que nós
os adultos já não mais tínhamos.
_É Antônio a gente também aprende muito com eles,
não é mesmo? Isso foi idéia da Catarina, eu só ajudei. Eles queriam te fazer
uma surpresa. Acho que conseguiram...
_Ah “Dita”, só você mesmo né?! Hahahaha...
E aqueles dois espíritos que amavam – se tanto e
trabalhavam juntos pelo Criador se abraçaram e foram para um outro lugar,
afinal, os pretos – velhos também namoram, mas isso já é outra historia...
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